terça-feira, 30 de agosto de 2011

A Paz esteja no seu coração



“Chamava-se Norma. Estava doente, muito doente. Na véspera de sua morte, arrastou-se até o banheiro e foi até a pia para lavar-se dos vômitos. Abriu a torneira e a água fria escorreu sobre suas mãos... Ela parou, como que encantada pelo líquido que acariciava. E de sua boca saíram estas palavras inesperadas: “A água... Como é bela! Sempre que a vejo penso em Deus. Acho que Deus é assim...”.
A Morte na pia. A água que escorre... Os olhos contemplam a eternidade...”
(De Rubem Alves – do livro O RETORNO E TERNO)

Achei esse breve texto de Rubem Alves de rara beleza e de grande profundidade. Por isso, pensei em socializá-lo com vocês.

Vivemos a vida de maneira muito desatenta. A realidade, tensa e agitada do nosso cotidiano, transforma-nos em pessoas dispersas diante da vida. É essencial, tecer dentro de nós, uma maneira diferente de debruçar-se, criticamente, sobre o nosso caminhar. Uma nova postura de maior ausculta do coração e um olhar mais aguçado sobre a nossa travessia. Filosofia, no pensamento original grego, começa sempre assim: no deixar-se tocar pelo fascínio e pelo questionamento do mistério das coisas e dos fatos que nos rodeiam.

É fundamental adquirir essa sensibilidade que nos faz acalentar, com maior ternura, a solidariedade do amigo, a beleza da água, o encantamento da flor, a sabedoria do idoso, o acolhimento dado ou recebido na gratuidade, o sorriso confortante da criança, o sabor benfazejo do alimento... Precisamos, mais do que nunca, de re-descobrir essa capacidade de “ler” a vida e os acontecimentos com a ternura do coração. Deus revela-se nas inúmeras situações da vida, principalmente através das coisas simples do dia-a-dia. Todavia, para que isso aconteça, é vital manter-se na ausculta amorosa da vida, mas, sem o sentimento de domínio e de apropriação da mesma.

O grande educador Paulo Freire, de varias maneiras, nos alertou acerca dessa capacidade adormecida dentro de nós de saber “ler” a realidade. Tal sabedoria vai sendo conquistada, paulatinamente, através do olhar sensível do coração sobre o próprio caminhar.

A pessoa que adquiriu essa maneira de ser alcançou um tesouro valioso... Na maioria das vezes, embora tenhamos uma visão perfeita, somos cegos diante das belezas que a vida nos oferece.

É importante, com serenidade e harmonia, apaixonar-se por essa ausculta. Tal maneira de ser transforma-nos em pessoas alegres e joviais, possibilitando que a nossa caminhada seja mais saudável e prazerosa. A vida não é feita somente de dores e sofrimentos. Ela, também, nos oferece momentos gratificantes e benfazejos que, geralmente, podem ser degustados nas coisas simples, mas, essenciais para o nosso viver.

João Bosco de Carvalho
Contatos: cassiojoao@bol.com.br

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