terça-feira, 31 de maio de 2011

Reflexões em torno do Sagrado Feminino



A palavra mãe vem do sânscrito, base de todas as línguas, em sânscrito mãe é matri. Desta raiz vieram mater, mother, mutter, madre, mamã, mamá, mère, mati, mainha, mãezinha e tantos modos de dizer a nossa sempre lembrada genitora. A palavra soa como a prática de beber na fonte do leite materno, lábios dançando e sugando a primitiva sobrevivência; amar é mamar. Nascemos da carne e sangue da mãe, e ela foi a nossa primeira aproximação da intimidade divina. O sagrado se fez mais perto de nós através de sua constante presença. Se para muitos Deus é impessoal, para quem cultua a força maternal ela é a visibilidade do Absoluto. Sua presença efetiva e afetiva, as palavras simples, o encorajamento, a inspiração, o toque das mãos, a bendição, o porto seguro, a tranqüilidade, o incansável cuidado, nos permitem a travessia da existência. No sânscrito matri quer dizer medir e avaliar. A medida de mãe é um amor que não se mede e é o nosso parâmetro de valores, o modelo referencial do que entendemos de humano. Seu jeito é pleno de naturais atributos divinos e nos dá o padrão no qual tivemos o nosso aprendizado de amor desprendido, persistente, incansável, paciente, compreensivo terno e materno.

Nações espirituais, culturalmente fortes, criaram para ela uma data, um dia de domingo, festivo e carinhoso, o Dia das Mães. Uma data sagrada. Claro que o mundo mercantilizado e consumista ajeitou o modo de comercializar a ocasião, comprar e vender. Mãe merece todos os nossos presentes, cartões, mensagens, família se reunindo, e um filho ou filha ligando lá de longe; porém, o mais importante é não esquecer o berço onde aprendemos as nossas primeiras lições do Sagrado Feminino. Há algo de espiritual nesta data, algo mágico e místico, atraente e benevolente , emoção e gratidão, uma saudade imensa grudada em nosso coração.

Na vida espiritual, na reflexão filosófica e teológica, nas análises sócio-políticas, ouvimos e lemos mais sobre os homens; porém, a mulher é o húmus fecundo das palavras, a expressão espiritual que desperta o sagrado no humano. Em cada mulher está a mãe reveladora da nossa essência sagrada. Em cada mãe habita a corajosa guardiã de tudo o que é melhor e sublime em nossa vida. As qualidades humanas que ainda existem em nós foram moldadas pelos artesanais conselhos de nossa mãe. Quando caímos no poço fundo e escuro da nossa falsa ética, da nossa imoralidade, dos desenredos dos nossos erros; quando extraviamos a meta e perdemos o caminho; é exatamente nestes momentos, que nas lacrimosas retinas de nosso olhar aparece a figura da nossa mãe. É sempre a mãe que segura os desacertos de nossa estrada e nos coloca na boa condução de nossa existência.

Se um Deus é capaz de dar a vida por amor, há mães que se sacrificam para que seus filhos não morram. O Hinduísmo elevou a mulher à condição de divindade e fez dela uma Deusa. No Judaísmo, Deus falou mais com os homens, porém caminhou corajosamente com as Matriarcas (Judite, Ester, Ruthe ) O Cristianismo mostrou o Divino passando pelo ventre de Maria, a mãe de Jesus, o Filho de Deus que moldou sua força divina durante 30 anos no anônimo lar de Nazaré, junto com sua Mãe. Se olharmos a tradição das religiões existem muito mais mães divinas que pais reveladores do sagrado: Parvati, Kali, Lakshmi, Sarashwasti, Eva, Lilith, Ísis, Íris, Deméter, Afrodite, Vina e tantas outras presentes na fé e nos mitos, as Grandes Mulheres inspiradoras da vida.

A mãe sempre alertou em nós nossas obrigações espirituais. Ela que traçou em nós os sinais religiosos, decorou nosso quarto com o Anjo da Guarda, balbuciou preces, trouxe a oração à mesa, teceu ritos ,difundiu ensinamentos preciosos para a nossa vida interior, mostrou a qualidade da alma, nos levou ao espaço sagrado do templo, fez de nossa casa um santuário.

A mãe mostrou um amor puro, fontal, caseiro e perene. Há nela uma intuição, um sexto sentido que dificilmente falha, sensibilidade, coragem, profecia, capacidade de perdoar na mesma medida de sua capacidade de amar. Na primavera de nossa existência é ninho e flor. No verão é o brilho ensolarado do amor. No outono é a seiva escondida preparando novos e futuros frutos. No inverno é pousada e cobertor, chá e lareira acesa para esquentar o lugar.

A mãe é um modo encarnado onde o Divino fez de nossa vida uma bênção, um colo, uma casa, um abrigo, uma palavra, uma eternidade, uma honra e cuidado, um bem-estar, uma beleza e bondade, uma saudade que sai de nossos poros. De onde estiver, mãe, cubra-nos com sua presença e palavra sagrada! A bênção, mãe!

Por uma Escola Nacional de Economia Solidária - Reflexão



Animado e estimulado pela extraordinária reunião do Conselho Gestor do CFES Amazônia, realizada em Belém nestes 20 e 21 de maio corrente, partilho a seguir a reflexão-proposição sobre a idéia da articulação dos CFES enquanto uma “Escola” Nacional de Economia Solidária. Claramente inspirada nas brilhantes contribuições que recebemos na reunião a partir das falas de Armando, Valmor, Rosana, Farid, Marcia, Gercina, Henrique, Sonale, Meire, Monique e Rosevany.

Antes de mais nada, esclareço já que, neste momento, não estamos propondo a criação de qualquer nova estrutura, mas que antes, pensemos na organização de uma nova instituição no seio do movimento social por uma Economia Solidária. Enfatizo que, portanto, nossa idéia de “Escola” não se limita a um mecanismo pedagógico apenas, mas à articulação de um processo de formação de uma nova cultura na perspectiva de uma nova sociedade em suas diversas e múltiplas componentes entre as quais destaco a política e a economia. Nesta perspectiva, se impõe a percepção de que entendemos a construção da “Escola” como estratégia sinérgica a tudo o que construímos até aqui, a partir “de dentro” e “de baixo”.

Também confesso, que as reflexões que seguem, estão fortemente influenciadas pela percepção conjuntural de que estamos vivendo em nosso movimento, uma fase de supervalorização da disputa por espaço no governo, o que tem enfraquecido o esforço de elaborarmos e efetivarmos estratégias autônomas de construção da Economia Solidária como prática livremente adotada por parcelas cada vez maiores da sociedade. De onde, entendo, deve estar a fonte de nossa força política e econômica, inclusive para conquistarmos, na esfera estatal, a importância que queremos merecer. Ou seja, nossa elaboração tenta equalizar os investimentos que devemos fazer nas diversas esferas de construção da hegemonia da Economia Solidária como expressão cultural-sócio-política-econômica, tal como concebido no campo da teoria gramisciana do Estado Ampliado, a que me filio.

Entrando no assunto. Antes de tratarmos de “Escola”, precisamos tratar de “Educação”. Nesta perspectiva, simplificadamente, partimos da concepção de que Educação é um conjunto de processos didático-pedagógicos articulados de maneira racional e estratégica, em múltiplos fazeres sociais, para formar os indivíduos em seus contextos sócio-culturais para prepará-los ao cotidiano de uma Sociedade projetada, na qualidade de sujeitos, para reproduzi-la.


Portanto, Educação é uma ação pensada estrategicamente, política e tecnicamente, com uma intencionalidade desenhada a partir de um determinado Projeto de Sociedade. Projeto de Sociedade que assim passa a ter em um projeto educacional adequado, um dos processos de sua própria construção como fato sócio-histórico, em paralelo a processos culturais como o econômico e o político, principalmente.
De trás pra frente então, metodologicamente podemos dizer que é o Projeto de Sociedade, ou as referências da Sociedade que queremos construir, que informa o perfil de indivíduo que precisa ser formado para realizá-lo socialmente, sustentá-lo, desenvolvê-lo e reproduzi-lo nas futuras gerações – quero dizer que, por exemplo, uma Sociedade Solidária ou Socialista só se efetivará quando o perfil da prática social dos indivíduos for majoritariamente solidária ou socialista.

Por sua vez, este perfil projetado, solidário ou socialista, passa a ser o objetivo de um projeto educacional específico. A distância entre o perfil cultural médio dos indivíduos da Sociedade atual, majoritariamente capitalista, e o perfil desejado ou projetado, precisa ser percorrido por uma estratégia formativa, ou Projeto Pedagógico. Dado o caráter intencionado e estratégico deste processo é que este projeto tem sido designado como Político Pedagógico.

Destaco, enfaticamente, que o primeiro grande esforço coletivo que temos à frente, na perspectiva de elaboração de um Projeto Político Pedagógico – tal como o CFES Amazônia se propõe, é a elevação do grau de elaboração das referências da Sociedade que queremos ter no futuro, a que queremos e estamos construindo, enfim o nosso Projeto de Sociedade, enquanto movimento por uma Economia Solidária, ou seja, a Sociedade Solidária ou Socialista – a debater.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

(video) Ave Maria e la vergine degli angeli

Nosso blog está comemorando esta semana 1000 acessos e são 18 países diferentes que já nos visitaram (Brasil, Portugal, Estados Unidos,Argentina e México,Itália e Angola e com menos visitas: Colômbia, Bolívia, Porto Rico, Canadá,Venezuela,Inglaterra,Espanha,Austria, Paraguai, Haiti e Alemanha)

A pouco mais de 1 mês para completar um ano de existência, ele ainda tem que passar por mudanças e ganhar mais pluralidade para expressão das várias áreas de atuação de que compõe-se os personagens originadores (simpatizantes) de sua dimensão,mas não deixa de ser uma vitória. 

Assim, fico feliz que nossa idéia, que surgiu do inquietamento de nossas almas e da vontade de expansão e expressão dos sentimentos e pensamentos,tenha já humildemente ganhado essa proporção da qual não poderíamos imaginar.

 Para comemorar essa data tão especial selecionei um esse vídeo enviado pela amiga Lindalva Macedo.
Apreciem!!! Não esqueçam antes de desligar o som do blog (ao lado direito) para ouvir melhor esse vídeo)
Um abç Francisclariano a todos(as)



Oração de São Francisco para nossos dias! por Beatriz Maestri

Senhor, fazei-nos instrumentos de missão!

Onde encontrarmos pessoas encurvadas, que as ajudemos a levantar-se.

Onde a injustiça teima em reinar,

que levemos a justiça transformadora da sociedade.

Onde a desigualdade machuca e discrimina pessoas e povos,

que saibamos incluir, respeitar,

animar e valorizar a vida em todas as suas expressões.

Onde os poderosos teimam em dominar a esperança dos pobres,

que levemos organização e conscientização.

Onde as mulheres são oprimidas e exploradas,

busquemos a igual participação e sua valorização.

Onde a natureza estiver sendo depredada,

que sejamos promotores/as da irmandade universal,

semeando o cuidado e o respeito com toda criação.

Onde a violência fere tantas pessoas inocentes,

que levemos a tua Paz!

Ó Deus, Fonte da Vida e do Amor,

fortalece nosso compromisso com os mais pobres e excluídos!

Recria e fortalece nosso sonho por uma nova economia,

e que nossas lutas contribuam com a economia solidária,

respeitadora da vida em todas as suas formas

e na gestação de novas relações.

“Levanta-nos” de nossas incertezas

para mergulhar na realidade com ousadia e coragem!

Envia-nos, com tua força,

para sermos anunciadoras/es da esperança e da solidariedade!

Que nosso coração, sempre encantado por Jesus Cristo

e comprometido com a construção de seu Reino de justiça e fraternidade,

prossiga vibrante, na partilha e no abraço universal!

(Ir.Beatriz Maestri)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Cântico do Irmão Sol ou das Criaturas

(Quase cego, sozinho numa cabana de palha, em estado febril e atormentado pelos ratos, São Francisco deixou para a humanidade este canto de amor ao Pai de toda a Criação.

A penúltima estrofe, que exalta o perdão e a paz, foi composta em Julho de 1226 no palácio episcopal de Assis, para pôr fim a uma desavença entre o Bispo e o Prefeito da cidade. Estes poucos versos bastaram para impedir a guerra civil.
A última estrofe, que acolhe a morte, foi composta no começo de Outubro de 1226).

Altíssimo, onipotente e bom Deus,
Teus são o louvor, a glória, a honra
e toda benção.

Só a Ti, Altíssimo, são devidos,
e homem algum é digno
de Te mencionar.

Louvado sejas, meu Senhor,
com todas as Tuas criaturas.
Especialmente o irmão Sol,
que clareia o dia
e com sua luz nos ilumina.

Ele é belo e radiante,
com grande esplendor
de Ti, Altíssimo é a imagem.

Louvado sejas meu senhor,
pela irmã Lua e as Estrelas,
que no céu formastes claras,
preciosas e belas.

Louvado sejas meu Senhor,
pelo irmão Vento,
pelo ar ou neblina,
ou sereno e de todo tempo
pelo qual as Tuas criaturas dais sustento.

Louvado sejas meu Senhor,
pela irmã Água,
que é muito útil e humilde
e preciosa e casta.

Louvado sejas meu Senhor,
pelo irmão Fogo,
pelo qual iluminas a noite,
e ele é belo e jucundo
e vigoroso e forte.

Louvado sejas meu Senhor,
pela nossa irmã a mãe Terra,
que nos sustenta e nos governa,
e produz frutos diversos,
e coloridas flores e ervas.

Louvado sejas meu Senhor,
pelos que perdoam por teu amor
e suportam enfermidades e tribulações.

Bem aventurados os que sustentam a paz,
que por Ti, Altíssimo serão coroados.

Louvado sejas meu Senhor,
pela nossa irmã a morte corporal,
da qual homem algum pode escapar.

Ai dos que morrerem em pecado mortal!
Felizes os que ela achar
conforme à Tua Santíssima vontade,
porque a segunda morte não lhes fará mal.

Louvai e bendizei a meu Senhor,
e daí lhes graças
e servi-O com grande humildade.

Amém

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Inclusão e Coesão sociais



Que a questão da pobreza e da miséria se tenha tornado um tema básico da agenda nacional e objeto de discussão na opinião pública significa um passo muito importante na construção de um mundo alternativo. Recentemente o presidente do IPEA, Márcio Pochmann, nos ofereceu um ensaio (No livro: Opção pelos pobres no século XXI, Paulinas, 2011) sobre a questão com o título: “Pobreza em transformação no Brasil”, que começa com uma afirmação certamente surpreendente para muitos: “O Brasil vem registrando indicadores inegáveis de redução de pobreza absoluta e relativa. Pode, mesmo, chegar a superar a pobreza extrema na segunda metade da segunda década do século XXI, o que se constituirá em algo de grande relevância para um país historicamente demarcado por profunda exclusão social”.


Para ele, este processo se vincula diretamente ao esforço de reestruturação das políticas públicas provocado pela Constituição Federal de 1988 que re-configurou a estrutura vertical dos grandes eixos de intervenção do Estado no campo da proteção e do desenvolvimento social (saúde, educação, assistência e previdência, infra-estrutura social, trabalho entre outros). A distinção entre pobreza absoluta e pobreza relativa é fundamental para podermos avaliar o que vem ocorrendo no Brasil e percebermos que desafios temos no momento presente. Pobreza absoluta é a condição social sem o atendimento básico às necessidades elementares da existência humana. No nosso caso, trata-se do segmento da população com rendimento per capita até meio salário mínimo mensal. Nas últimas quatro décadas, a taxa de pobreza absoluta caiu no Brasil em 61% e deixou de representar 68% da população em 1978 para representar 26,5% em 2008. Esta queda por outro lado revela com clareza a enorme diferença entre as regiões de nosso país. Assim, enquanto ela foi de 76,6% no Sul, no Nordeste foi apenas de 46,4¨%. Numa palavra, a pobreza se reduziu mais justamente nas regiões mais ricas o que mostra a profunda desigualdade regional.


Como avaliar o que está ocorrendo?Para isto é indispensável o conceito de “pobreza relativa” que significa o quanto se é pobre relativamente ao padrão de vida dos ricos. Nesta perspectiva se revela que a redução da pobreza no Brasil tem sido muito mais forte do que a diminuição da desigualdade de renda o que mostra que o combate à pobreza é muito menos complexo do que o enfretamento da desigualdade de renda. Mantendo os mesmos ritmos o Brasil tem condições de chegar em 2016 a indicadores sociais muito próximos aos países desenvolvidos no combate à pobreza o que se deve certamente ao aumento expressivo do gasto social (22% do PIB em 2005 contra 13, 3% em 1985), mas não se pode dizer o mesmo no que diz respeito à desigualdade, pois houve até aumento da pobreza relativa. A tese de M. Pochmann é fundamental para entender nossos desafios: a inclusão pelo consumo de milhões de pessoas nos anos recentes tem sem dúvida grandes méritos que devem de ser reconhecidos, mas é insuficiente para garantir a coesão de nossa sociedade. Um elemento básico de enfretamento da questão da desigualdade é a mudança do padrão tributário que permanece intocável entre nós.


Texto de Manfredo de Oliveira
Filósofo,Teólogo,Prof.UFC

Curso Realidade Brasileira




Casa : a dimensão mística do habitar


“Habitarei na casa do Senhor” (Sl. 23)
“Na casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo. 14,2)

É da nossa condição humana buscar um espaço, um lugar hospitaleiro e acolhedor, o lugar onde nos situamos no mundo e onde podemos ser encontrados.
São muitos os lugares por onde transitamos, mas o mais importante deles é a nossa casa.

A casa é mais do que uma realidade física, feita de quatro paredes, portas, janelas e telhados.
Casa é uma experiência existencial primitiva, ligada ao que há de mais precioso na vida humana, que é a relação afetiva entre aqueles que a habitam e com aqueles que nela são acolhidos.
Casa, espaço do mundo que nós escolhemos, preparamos, organizamos, adornamos e fazemos a moradia a partir da qual contemplamos a Terra e o Céu. Por isso ela é reveladora de nossa identidade. “Dize-me como é tua casa e te direi quem és”. Ela é o espelho mais honesto dos nossos hábitos, o abrigo dos nossos medos, a nossa fotografia. É por este motivo, talvez, que muitos fogem da própria casa: não querem enxergar a si mesmos.

Quando estamos confusos e desorganizados, nossa casa invariavelmente reflete esse estado de espírito sob alguma forma de desleixo ou desordem. Quando nos abrimos à intuição artística e criativa, a casa e o que realizamos nela se tornam um reflexo vivo de nosso interior, com seus élans e sonhos, seus desejos e perplexidades, com seus anseios de ordem, beleza, harmonia, inteireza.

A casa como espaço arquitetônico e as múltiplas atividades que acontecem nela e em torno dela não deixam de ser uma expressão simbólico-sacramental daquilo que somos e do modo como somos no mundo. A casa é uma extensão de seus moradores. Através dela, estes se revelam e se auto-constroem.
A casa nos ajuda a fincar raízes neste mundo e em nós mesmos; ela é lugar de referencia e nos fornece orientação; ela anima nossa espera e alimenta o encontro; conserva nossa história, acolhe e guarda na memória as nossas alegrias e as nossas tristezas, as nossas conquistas e os nossos fracassos...

Estar em casa é estar no seu espaço, na sua intimidade, no lugar de plena liberdade e espontaneidade. Ela é o cenário principal do enredo e dos episódios de nossa vida; é o lugar seguro que nos possibilita repouso e revigoramento afetivo, bem-estar e proteção... Casa representa segurança e refúgio das amea-ças que vêm de fora; ela nos oferece um espaço estabilizador e nutridor, suscitando vigor e saúde inte-gral. Sem ela facilmente perdemos a calma e o equilíbrio, tornando-nos presas fáceis da agitação, da insatisfação, do medo, do consumismo descontrolado, da impulsividade e da impaciência.
Em meio à dispersão dos múltiplos relacionamentos e das mais variadas demandas que rege a vida atual-mente, é de vital importância esse lugar estável de onde podemos partir e para onde podemos voltar ao longo de nossas incessantes e estressantes jornadas.
Negar casa a alguém é negar-lhe o útero que protege e acolhe, é tirar-lhe a segurança necessária para viver, é fazê-lo um errante sem pátria e sem rumo. Perder a casa é se perder a si mesmo.


Todas estas dimensões fazem a casa humana. Ela se apresenta como instância encantadoramente humana e acolhedora de nós mesmos, sendo fonte de auto-conhecimento e crescimento pessoal.
A casa é também a instância configuradora de nossa experiência de fé.
Diante de tantos ruídos e imagens que nos violentam, a casa torna-se o lugar da escuta, do silêncio, da interioridade e da comunhão com o Transcendente, através de mediações simples como uma escuta musical atenta, uma boa leitura ou o exercício diário da oração.
Nesse sentido a casa torna-se Templo do Espírito, pois ela nos ajuda a fazer contato com nossas “mora-das interiores”: lugar de intimidade com Deus, espaço de contemplação, ambiente de discernimento e construção de decisões. Nesse sentido, a casa já é antecipação da nossa morada eterna, no Paraiso.
O lugar cotidiano da casa se converte na epifania do divino, no lugar concreto do encontro com Aquele que faz de nossa casa, Sua morada.
Nossas moradas provisórias nos revelam que todos somos peregrinos em busca da morada definitiva; nosso coração anseia pelas moradas eternas: o coração do Pai, onde cabem todos.

Textos bíblicos: Jo. 14,1-12 Lc. 19,1-10

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Além dos manicônios - 18 maio - Dia Nacional da Luta Antimanicomial

Imagem Publicada - uma foto colorida, com uma jovem haitiana, ela olha para a câmera, com sua mão esquerda sendo levada à boca, me parecendo um silenciamento imposto, que utilizo para lembrar as milhares de crianças e adolescentes que foram e estão esquecidas no Haiti, pós-terremoto e cólera, que, com certeza, estão precisando de muitos cuidados, inclusive de Saúde Mental, mas certamente não precisam de maiores exclusões ou marginalizações do que o já vivido em suas peles negras durante os tantos anos de isolamento ou miséria a que seu povo foi submetido. Talvez ela se pareça com a personagem B.H do meu texto abaixo, ainda quando era jovem e sonhava com a sua liberdade. (foto da Internet)

O dia 18 de maio precisa ser, também, considerado um data para não esquecer. Além de ser um dia para combater as sutis tentativas de retomada do modelo nosocomial, principalmente quando as mídias insufladas por crimes cometidos por ''loucos'', ''maníacos'' ou '' paranóicos'' como o jovem Wellington aparecem ou explodem pedindo o retrocesso histórico.

Mas o que não podemos esquecer? Não podemos esquecer a maioria dos que ainda estão sob tratamentos psiquiátricos segregantes, os que permanecem na Casa dos Mortos, os que compõem um imensa maioria dos que necessitam de cuidados psiquiátricos por vivenciarem os mesmos campos de exclusão que geraram um dos maiores manicômios do Brasil: o Hospital do Juqueri, em Franco da Rocha.



Foi lá que, há alguns anos atrás, como preceptor de um grupo de jovens residentes em psiquiatria, em visitação à moda de Freinet, tive contato com um dos mais importantes documentos de minha carreira. Eu vi o documento de internação da primeira paciente deste manicômio. Em 08 de novembro de 1885 era internada, no Hospício de Juquery, São Paulo, uma mulher, preta, denominada B.H, solteira, cozinheira, católica, aos 50(?) anos, com nacionalidade Brazil(eira), e em cujo registro está escrito que a sua ''revisão'' foi realizada em janeiro de 1910.

Esta temporalidade confirmada, na virada de século, com 25 anos sem nenhuma forma de cuidado ou real diagnóstico, lavrou o testemunho de seu sofrimento ou sua exclusão. Resta dizer que ela faleceu por lá mesmo, provavelmente não muitos anos depois deste tempo de reclusão. Porém em minha memória não deixarei nunca sua história desaparecer. E aos que me lêem solicito sua memorização crítica e desalienante.
Esta mulher negra fazia parte, à época de um grupo de cidadãos e cidadãs que precisavam sair do caminho do progresso paulistano. Eram os que mais incomodavam ao Império e sua biopolítica de higienização. Este grupo social de excluídos passou a ser um ''fardo social'', bem como um ''perigo'' também para a República. Eram os que foram lançados na marginalidade, nos cortiços e nas nova senzalas, de um espaço urbano.
Cidades em expansão, como São Paulo, que tentavam conciliar ex-escravos, migrantes e outros habitantes de um país neorrepublicano. E, assim nasce em 1885 (não em 1895 como está na Wikipédia) o Asilo de Alienados do Juquery, no mesmo tempo em que a negra B.H entra por seus portões para nunca mais sair.
A Psiquiatria nosocomial e asilar, é um dinossauro, nasceu no Brasil com um decreto imperial em 1841. O imperador Pedro II, pressionado pelos que criticavam o "abandono” em que se encontravam os alienados, incluindo-se aí os proxenetas, "débeis mentais e portadores de taras", assim chamados os loucos da época, determinou a criação de um hospício voltado ao tratamento destes alienados.

Este fato coincidirá com o surgimento da psiquiatria no país. Junto com ela um movimento de higienização social, com seus ranços históricos ligados à eugenia, quando: "os negros e os leprosos foram identificados como portadores de perigo em potencial, e foi providenciado o seu afastamento das principais vias públicas..."

A inauguração de dos primeiros hospícios brasileiros, só ocorrerá onze anos depois do decreto imperial. Institucionalizou-se a segregação, o hospital foi o melhor território panóptico para o isolamento biopolítico destas diferentes formas de excluídos e despossuídos.

Os manicômios e as prisões andaram, então de braços dados, circulando à caça dos desviantes, nas vielas, nos bairros, favelas, entre os artistas, os boêmios, os proletários e os alcoolistas. Os tempos imperiais lusitano-brasileiros prenunciavam o que hoje vivemos com o novo modelo de Império hipercapitalista, só que agora aperfeiçoamos as técnicas em Guantanamo ou outros ''gulags'' pós-modernistas.
Portanto, mesmo com todas as críticas que se façam à Reforma Psiquiátrica, aos equipamentos substitutivos, que vão muito além dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), ou às políticas para resolutividade dos impasses em Álcool e outras drogas, temos de reafirmar nossos compromissos com uma mudança radical de paradigmas. A história do higienistas, dos fisicalistas e dos chamados organicistas atravessam e transversalizam a Psiquiatria brasileira. E, apesar dos muitos avanços científicos, como os gerados pelas Neurociências e novas tecnologias, muitos ainda se prendem a um modelo biomédico que só vê corpos-máquinas, quiçá ainda apenas Vidas Nuas, no cuidado exigido pelos transtornos mentais.

O mandamento esquecido






Nas tradições espirituais, um mandamento de Deus não significa ordem arbitrária ou lei impositiva e sim uma revelação amorosa de um Pai de amor maternal que nos dá critérios de vida e ação e inscreve esta orientação no coração das pessoas para sermos felizes e realizarmos melhor nossa missão. Nas mais diversas religiões, um dos mandamentos é o do amor e cuidado com a terra, a água e todos os seres vivos. Hoje, há quem expresse este mandamento como se fosse o prolongamento do mandamento bíblico que nos manda amar o próximo (Lv 19): "Ame a terra como a si mesmo/a”. Embora esquecido por muito tempo, este cuidado é agora retomado pelo lema da Campanha da Fraternidade 2011, proposta pelos bispos católicos do Brasil. O lema é tirado da carta de Paulo aos romanos: "A criação geme em dores de parto” (Rm 8, 22). Por isso, a CNBB convida todas as pessoas de boa vontade a se engajarem em uma nova Campanha da Fraternidade sobre o cuidado com a Vida no Planeta.

O cuidado com a vida no planeta não pode ser apenas assunto técnico ou de competência dos governos. Deve ter como base uma atitude de amor e de espiritualidade para com a natureza, que todas as religiões acreditam ter sido criada e sustentada pelo Espírito Divino. Alguns cientistas acusaram a cultura judaico-cristã de ter provocado a destruição da natureza que agora ameaça a própria sobrevivência da vida no planeta. De fato, a Bíblia, interpretada ao pé da letra, dá ao ser humano o direito de explorar a terra e dominá-la (Gn 1, 28). É preciso compreender o contexto histórico em que os textos bíblicos foram escritos e reinterpretá-los em um sentido novo. De acordo com a revelação bíblica, a missão do ser humano é cuidar da terra e de todos os outros seres vivos com o mesmo amor com o qual Deus cuida de nós. Nesta nova perspectiva, somos todos convidados a contemplar a Deus presente e atuante na natureza como se manifesta na história.

Há alguns anos, em um programa de televisão, um pregador neopentecostal deu um chute em uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Com razão, católicos protestaram contra o desrespeito à sensibilidade religiosa de outros irmãos. Houve manifestações públicas de desagravo à imagem da santa. Entretanto, a cada dia, apenas para lucrar mais, o sistema capitalista destrói e desrespeita a imagem de Deus presente nos elementos do universo. Quando uma floresta é queimada ou cortada, quando um rio é desviado ou represado apenas para gerar energia, sem levar em conta o eco-sistema e a vida nele presente, são imagens vivas do próprio Deus que estão sendo profanadas e destruídas. Como é importante que cristãos e pessoas de todas as religiões considerem a defesa das florestas, do Cerrado, dos rios e de toda a criação divina como expressão de fé e espiritualidade.

Quando os primeiros missionários cristãos chegaram no México, compreenderam que os índios não aceitavam como Igrejas e lugares de culto, espaços fechados com paredes e telhado. Sua cultura lhes ensinava a sempre unir-se a Deus no contato direto com a natureza. Ainda é tempo de aprendermos com esta sabedoria ancestral e vivermos a nossa fé na comunhão amorosa com todo ser vivo.

Graças a Deus, em muitas cidades já existem comissões locais de defesa da natureza. Jovens se organizam para proteger o Cerrado, para evitar queimadas, proteger rios e até para evitar que uma árvore seja derrubada. Atualmente, alguns teólogos falam em "Corpo cósmico do Cristo”, ou seja, uma presença divina em cada ser do universo e não somente no ser humano. Assim, Jesus que, nos evangelhos, se identifica com cada pessoa empobrecida, também dirá um dia: "Isso que vocês fizeram a cada elemento da natureza, foi a mim que fizeram”.

Marcelo Barros
Monge beneditino e escritor
Fonte: Adital

quarta-feira, 18 de maio de 2011

O Cuidado






BOM PASTOR: JESUS, “HOMEM-DE-CUIDADO”

O sintoma mais doloroso, já constatado há décadas por sérios analistas e pensadores contemporâneos, é um difuso mal-estar na atual civilização. Ele aparece sob o fenômeno do “descuido”, do descaso e do abandono, numa palavra, da falta de cuidado.

A crise generalizada que afeta a humanidade se revela pelo descuido e pela falta de cuidado com que se tratam realidades importantes da vida: a destruição da natureza, a contaminação e a poluição ambi-ental, os moradores de rua, as crianças condenadas a trabalhar como adultos, os aposentados, os idosos, os indígenas, a marginalização dos negros e da mulher, a saúde pública, a educação mínima, a moradia digna, etc...

Tudo o que existe e vive precisa ser cuidado para continuar a existir e a viver: uma planta, um animal, uma criança, um idoso, o planeta Terra...

É urgente uma práxis de cuidado, de re-ligação, de benevolência, de paz perene para com a Terra, para com a vida, para com a sociedade e para com o destino das pessoas, especialmente das grandes maiorias empobrecidas e condenadas da Terra.

O cuidado serve de crítica à nossa civilização agonizante e também de princípio inspirador de um novo paradigma de convivialidade. Diante das realidades vulneráveis faz-se necessário despertar as consciências para a prática do cuidado.
O cuidado é algo mais que um ato ou uma virtude entre outras.
O cuidado se encontra na raiz primeira do ser humano, é um “modo-de-ser essencial” do ser humano.
É uma dimensão fontal, originária, primeira, impossível de ser totalmente esvaziada.
É o cuidado que nos faz sensíveis e nos compromete com quem está à nossa volta.
É o cuidado que nos une às criaturas e nos envolve com as pessoas.
É o cuidado que desperta encantamento face à grandeza do firmamento, suscita veneração diante da complexidade da Mãe-Terra e alimenta enternecimento face á fragilidade de um recém-nascido.
Pelo cuidado, o ser humano se religa ao mundo afetivamente, responsabilizando-se por ele.

Jesus de Nazaré foi aquele que mais encarnou o “modo-de-ser-cuidado”.
Revelou à humanidade o “Deus-Cuidado”, experimentando Deus como Pai e Mãe divinos que cuida de cada cabelo de nossa cabeça, da comida dos pássaros, do sol e da chuva para todos (Mt. 5,45; Lc. 21,18).

Jesus mostrou cuidado especial com os pobres, os famintos, os discriminados e os doentes.
Pelo cuidado, Jesus maravilhou-se diante do milagre da vida e solidarizou-se com os humanos fragili-zados e excluídos. As parábolas do bom samaritano, que mostra a compaixão pelo caído na estrada (Lc. 10,30-37), a do filho pródigo acolhido e perdoado pelo pai (Lc. 15,11-32), e, sobretudo, a do Bom Pastor (Jo. 10,1-18) são expressões exemplares de cuidado e de plena humanidade.

Jesus, em seu ministério “cuidador” transformou a vulnerabilidade em possibilidade, a fraqueza em força, a dor em alegria... O evangelista Marcos diz com extrema finura: “Ele fez bem todas as coisas; fez sur-dos ouvir e mudos falar” (Mc. 7,37).

Sua presença e sua intervenção nos revelam o compromisso com a vida, a afirmação da dignidade e da sacralidade de cada pessoa, bem como a reintegração dos excluídos na comunidade humana. Jesus é um bió-filo (amigo da vida), pois revela uma especial atenção e zelo pela vida, seja da natureza, seja do ser humano. Cada vida é um cenário de manifestação do Pai. Tudo lhe causava admiração e encantamento.

Para Jesus, a cada dia o Pai chama as criaturas pelo nome e as convoca à vida: as águas fluem, os animais procriam, os astros retomam seu curso e o ser humano acorda para o louvor de Deus e o cumprimento de suas tarefas. Pela ação providente e cuidadosa do Pai, a Criação inteira se refaz de crepúsculo em crepúsculo e de aurora em aurora.

Jesus resgatou a centralidade da compaixão, do sentimento, do cuidado e da ternura para com todas as manifestações da vida. Resgatou a dimensão anima, presente como princípio no homem e na mulher, ou seja, a capacidade de se ter cuidado em tudo quanto se faz, de sentir, de ter compaixão, de perceber o Espírito perpassando todas as coisas... É o princípio anima que faz do ser humano um ser espiritual, um ser ético, capaz de responsabilidade, de veneração e de respeito e abre o seu coração para vislumbrar a sacralidade do universo.

Jesus foi um “homem-de-cuidado” e deixou aos seus seguidores um “modo de proceder” fundado no cuidado (cf. parábola do bom samaritano).
Enchemo-nos de cuidado com tudo que para nós significa sentido e valor.

Não habitamos o mundo somente através do trabalho, mas fundamentalmente através do cuidado e da amorosidade. É aqui que aparece o “humano” do ser humano.

Cuidar é dar atenção com ternura, isto é, descentrar-nos de nós mesmos e sair em direção ao outro, sentir o outro como outro, participando da sua existência; cuidar é mais que um ato; é uma atitude “kenótica”, porque exige o esvaziamento de nós mesmos para deixar o mistério do outro encontrar abrigo em nosso coração. “Não temos cuidado; somos cuidado”. Sem cuidado deixamos de ser humanos.

É a partir do cuidado que colocamos limite a toda voracidade neurótica de ter e poder; a partir do cuidado acontece a passagem da lógica da conquista para a lógica da gratuidade, da intervenção para a interação-comunhão, da exploração para a sintonia-cordialidade, do poder-produção para a atenção-res-peito-acolhimento...

O cuidado é gesto amoroso para com o outro, gesto que protege e traz serenidade. Cuidar é envolver-se com o outro, mostrando zelo e preocupação. Mas é sempre uma atitude de benevolência que quer estar junto, acompanhar e proteger. Quer conhecer o outro com o coração e não com a cabeça.

Por isso precisamos do espírito de gentileza e ternura para captar e sentir o outro como outro, como original, para acolhê-lo na sua diferença. O amor é a expressão mais alta do cuidado, porque tudo o que amamos também cuidamos. E tudo o que cuidamos é um sinal de que também amamos.

Na oração: pedir a graça de sentir a ternura, o carinho, a proteção e a cura das mãos benditas e providentes
de nosso Deus;
alargar o coração, para que aí a ternura de Deus possa fazer morada.

Autoria: Pe.Adroaldo
(Texto enviado pela simpatizante de Camargos: Lindalva Macedo)

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