quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O contexto de Clara de Assis - Parte 2

Da nobreza a São Damião: itinerário e proposta de Clara de Assis.

2ª Parte

A opção de Clara

A vocação de Clara nasceu no seio da família como fruto de um processo de busca bem cultivado. A família de Clara levava uma vida cristã “exemplar”, segundo os critérios da época. Apoiava a Igreja em suas ações e participava dos atos litúrgicos. A mãe Hortolana socorria os pobres e fazia longas peregrinações. Também Clara estendia a mão com prazer para os pobres (LSC 3).
Seguindo a tradição, a família pensava em casar Clara segundo a sua nobreza, magnificamente, com homens grandes e poderosos (PC 19,2), para ampliar e consolidar alianças familiares. Mas a jovem tinha outros projetos. Já conhecia o movimento dos penitentes, e ao ouvir que Francisco tinha escolhido o caminho da pobreza propôs em seu coração também ela fazer a mesma coisa (PC 20,6).


Clara saiu de casa aos 18 anos, no Domingo de Ramos de 1212. A Legenda diz que ela não saiu pela porta habitual, mas abriu com as próprias mãos uma porta não costumeira, fechada com pesados troncos e pedras. (LSC 7; PC 13,1). Esse fato tem um profundo sentido simbólico. O que essa jovem estava fazendo era algo novo na Igreja, e não habitual para as mulheres da nobreza.
Para o autor da Legenda, a vida de Clara dali para frente é uma grande celebração da “Semana Santa”, rumo à Páscoa definitiva. A primeira etapa, até chegar a São Damião, é bastante longa e cheia de obstáculos. A família sentiu-se humilhada e reagiu com violência não só pela fuga, mas pelas condições de Clara em São Paulo das Abadessas. Ela tinha vendido seu dote e foi acolhida como serva no rico mosteiro. Era necessário tirá-la à força daquela baixeza, indigna de sua linhagem e sem precedentes na região (LSC 8-9).
Nesse primeiro momento, o aspecto não costumeiro mais evidente é a ruptura com a classe social da nobreza e com seus privilégios, para viver a condição dos pobres, sem bens e sem os direitos de cidadania previstos na recente organização comunal. Mas na medida em que Clara e suas irmãs foram tornando concreta essa opção, outros aspectos se tornaram relevantes e deram corpo ao projeto de vida da nova comunidade.

Para refletir: O que é mais significativo na opção de Clara? Que rupturas são necessárias, hoje, para quem se propõe seguir Jesus Cristo pobre e crucificado?


São Damião como alternativa


Do antigo e rico mosteiro de São Paulo, Clara passou para Santo Ângelo de Panzo, uma comunidade recente, no estilo das Beguinas. Ali recebeu sua irmã Catarina (Inês) e as duas enfrentaram a segunda investida da família, mais violenta do que a primeira. Só então surgiu a possibilidade de iniciarem uma nova comunidade em São Damião.
Analisando as fontes, não restam dúvidas quanto ao desejo de Clara: ela queria participar do mesmo projeto de vida de Francisco. Mas não era tão simples assim. Depois de enfrentar a família, havia outras dificuldades. A Igreja não aprovava grupos mistos e não admitia que as mulheres assumissem uma vida apostólica itinerante. Além disso, nem mesmo Francisco estava convencido de que as mulheres fossem capazes de viver a pobreza evangélica, do jeito radical como os Penitentes de Assis estavam vivendo.
Por isso, a chegada a São Damião foi uma grande conquista, e Clara a ela se refere por duas vezes, no Testamento e na Forma de Vida (TestC 27-29; RSC 6,2-5).
São Damião tinha um significado profundo para o movimento dos Penitentes de Assis. Naquela igrejinha ainda em ruínas, fora dos muros da cidade, Francisco havia recebido uma missão grandiosa: “restaurar a Casa”, a moradia de Deus e a moradia da humanidade (2Cel 10,4). Dessa missão também Clara foi chamada a participar.
Mas como tornar realidade esse projeto, dentro do que era possível às mulheres da época?
Clara teve que ser audaciosa, persistente e criativa. Nas duas experiências que fez, em São Paulo das Abadessas e em Santo Ângelo de Panzo, seu coração continuou inquieto. Ela já tinha clareza sobre o projeto de vida que desejava assumir e não aceitou abrir mão de seu sonho.
Em São Damião, quando teve que aceitar a Regra beneditina, dirigiu-se ao papa Inocêncio III e pediu o Privilégio da Pobreza, para garantir o direito de não ter propriedades. Não queria apenas a pobreza vivida nos mosteiros como renúncia, desprendimento e uso dependente dos bens. As Damianitas assumiram, de fato, a condição social dos pobres, compartilhando a sorte dos que estavam à margem da sociedade da época. Até o final da vida Clara lutou para manter essa característica.
Também na vivência da irmandade, São Damião tornou-se uma comunidade original. Clara acolheu irmãs de diferentes classes sociais em igualdade de condições e organizou sua comunidade de forma participativa e democrática. Teceu relações de irmandade com os pobres, os frades, as autoridades da Igreja, todas as criaturas.
Por esses dois caminhos – pobreza e irmandade –, Clara ajudou a restaurar a Casa, tanto da Igreja quanto da sociedade, fortemente marcadas por desigualdades, hierarquias, lutas pelo poder e pelo dinheiro. A Bula de Canonização diz que Clara se recolhia em São Damião e se calava, mas seu testemunho de vida se espalhava e falava alto! (BC 3). De fato, Clara e suas irmãs não tiveram a chance de percorrer povoados e cidades pregando o Evangelho. Mas a forte luz emitida pela comunidade de São Damião ultrapassou as fronteiras da pequena cidade de Assis e chegou a recantos distantes. E pelo testemunho delas muitas outras mulheres também tiveram a coragem de deixar tudo para seguir Jesus Cristo de um jeito novo, mais fiel ao Evangelho e mais adequado às mulheres.
Ir. Delir Brunelli – CF

Para refletir: Em que aspectos a “Casa” de hoje (Planeta, Sociedade, Igreja) está em ruínas e somos chamadas/os a reconstruir? Nessa reconstrução, o que mais exige audácia, criatividade, persistência? Que forma de testemunho, hoje, fala mais alto?


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