segunda-feira, 18 de abril de 2011

Eucaristia: comungar com toda a vida


                                                                                                                             Frei Betto

     Eucaristia significa "ação de graças". É o sacramento central da vida cristã. Entre os fiéis, não se costuma dizer: "Fiz a primeira eucaristia". O habitual é: "Fiz a primeira comunhão". Quem vai à missa diz: "Vou comungar". Quase nunca fala: "Vou receber a eucaristia".
     Comunhão - eis uma palavra abençoada. Expressa bem o que a eucaristia significa. Comunhão vem da mesma raiz que a palavra comunicar.  Se comungo as mesmas ideias de uma pessoa é porque sinto profunda afinidade. Ela diz o que penso e exprime o que sinto. Na eucaristia comungamos: (1) com Jesus; (2) com os nossos semelhantes; (3) com a natureza; e (4) com a Criação divina.
     Jesus instituiu a eucaristia em vários momentos de sua vida. O mais significativo deles foi a Última Ceia, quando tomou o pão, repartiu entre seus discípulos e disse: "Tomai e comei, pois isto é o meu corpo". A partir daquele momento, todas as vezes que uma comunidade cristã reparte entre si o pão e o vinho, abençoados pelo sacerdote, é o corpo e o sangue de Jesus que ela está compartindo. A palavra "companheiro" significa "compartir o pão". Na eucaristia, compartimos mais do que o pão; é a própria vida de Jesus que nos é ofertada em alimento para a vida terna, deste lado, e eterna, do outro.
      Ao receber a hóstia consagrada - pão sem fermento - os cristãos comungam a presença viva de Jesus eucarístico. Nossa vida recebe a vida dele que nos revigora e fortalece. Tornamo-nos um com ele ("…que todos sejam um" (João 17,21).
      Ao instituir a eucaristia na Última Ceia, Jesus concluiu: "Fazei isto em minha memória". Fazer o quê? A missa? A consagração? Sim, mas não apenas isso. Fazer memória é sinônimo de comemorar, rememorar juntos. Ao comemorar os 500 anos da invasão portuguesa, o Brasil deveria ter feito memória do que, de fato, ocorreu: genocídio indígena, tráfico de escravos, exclusão dos sem-terra etc.
      Fazer algo em memória de Jesus não é, portanto, apenas recordar o que ele fez há dois mil anos. É reviver em nossas vidas o que ele viveu, assumindo os valores evangélicos, dispostos a dar o nosso sangue e a nossa carne para que outros tenham vida. Quem não se dispõe a dar a vida por aqueles que estão privados de acesso a ela, não deveria se sentir no direito de aproximar-se da mesa eucarística. Só há comunhão com Jesus se houver compromisso de justiça com os mais pobres, "pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê" (I João 4,20).
     A vida é o dom maior de Deus. "Vim para que todos tenham vida e vida em plenitude" (João 10,10). Não foi em vão que Jesus quis perpetuar-se entre nós naquilo que há de mais essencial à manutenção da vida humana: a comida e a bebida, o pão e o vinho. O pão é o mais elementar e universal de todos os alimentos. O vinho era bebida de festa e liturgia no tempo de Jesus. De certo modo, o pão simboliza a vida cotidiana e, o vinho, aqueles momentos de profunda felicidade que nos faz sentir que vale a pena estar vivos.
     No entanto, há milhões de pessoas que, ainda hoje, não têm acesso à comida e à bebida. O maior escândalo deste início de século e de milênio é a existência de pelo menos 1 bilhão de famintos entre os 6,5 bilhões de habitantes da Terra. Só no Brasil, 30 milhões estão excluídos dos bens essenciais à vida. E inúmeras pessoas trabalham de sol a sol para assegurar o pão de cada dia. Em toda a América Latina morrem de fome, a cada ano, cerca de 1 milhão de crianças com menos de 5 anos de idade.
     A fome mata mais que a aids. No entanto, a aids mobiliza campanhas milionárias e pesquisas científicas caríssimas. Por que não há o mesmo empenho no combate à fome? Por uma simples razão: a aids não faz distinção de classe social, contamina pobres e ricos. A fome, porém, só afeta os pobres.
      Não se pode comungar com Jesus sem comungar com os que foram criados à imagem e semelhança de Deus. Fazer memória de Jesus é fazer com que o pão (símbolo de todos os bens que trazem vida) seja repartido entre todos. Hoje, o pão é injustamente distribuído entre a população mundial. Basta dizer que 80% dos bens industrializados produzidos no mundo são absorvidos por apenas 20% de sua população. Ou seja, se toda a riqueza da terra fosse um bolo dividido em 100 fatias, 1 bilhão e 600 milhões de pessoas ficariam com 80 fatias. E as 20 fatias restantes teriam de ser repartidas para matar a fome de 4 bilhões e 900 milhões. Basta dizer que apenas 4 homens, todos dos EUA, possuem uma fortuna pessoal superior à riqueza somada de 42 nações subdesenvolvidas, que abrigam cerca de 600 milhões de pessoas!
      Jesus deixou claro que, comungar com ele, é comungar com o próximo, sobretudo com os mais pobres. No "Pai Nosso" ensinou-nos uma oração com dois refrões, "Pai Nosso" e "pão nosso".
     Não posso chamar Deus de "Pai" e de "nosso" se quero que o pão (os bens da vida) seja só meu. Portanto, quem acumula riquezas, arrancando o pão da boca do pobre, não deveria sentir-se no direito de se aproximar da eucaristia.
      No capítulo 25, 31-44 de Mateus, Jesus enfatiza que a salvação se sujeita ao serviço libertador aos excluídos, com quem ele se identifica. E na partilha dos pães e peixes, episódio conhecido como “multiplicação dos pães”, Jesus ressalta a socialização dos bens da vida como sinal da presença libertadora de Deus.
 Parte de outro texto do Frei Betto

" Trazemos em nosso corpo 15 bilhões de anos da história ou da evolução do Universo. Os átomos de nosso corpo já foram mares e vulcões, águias e serpentes, carvalhos e rosas (experimente olhar uma criança de rua consciente de que ela traz,em si, 15 bilhões de anos!). Toda a Criação está pois entrelaçada, formando uma única malha. Tudo que existe, préexiste e subsiste. Daí falarmos em Universo, e não em Pluriverso. Essa unidade faz o Cosmo - termo grego que significa " belo", e está na raiz da palavra cosmético, aquilo que traz beleza.

  Nosso corpo e a Terra têm a mesma proporção de água: 70%. Como a Terra,  nosso corpo possui as mesmas protuberâncias e grutas, ondulações e sistemas de irrigação, e até matas em forma de pêlos que protegem a fonte de vida. Somos filhos da Terra...

Já reparou que a nossa vida é uma respiração boca-a-boca com a natureza? Do nascimento à morte jamais deixamos de respirar. Morreríamos se não absorvessemos o oxigênio que nos é fornecido pelas plantas e algas dos oceanos. Contaminados estes a vida na Terra desaparecerá. E quando expiramos, soltamos ar pelas narinas e pela boca, devolvendo gás carbônico à natureza. As plantas e os planctons nutrem-se de gás carbônico. Eis a respiração boca-a-boca.

Viver é um movimento eucarístico

  Vejamos outra dimensão eucarística de nossa relação com a natureza. Impossível viver sem comida e bebida. Toda comida é uma vida que morreu para nos dar vida. O arroz que comemos no almoço é um cereal que morreu para nos dar vida... No ato de nutrição há um caráter eucarístico. Comer é comungar. Em suma viver é um movimento eucarístico.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

A não violência e o amor aos inimigos - Por José Comblin


 (Reflexões com base em Mt 5,38-48 e  Lc 6,27-37)



“Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam...”

 A não violência e o amor ao inimigo são, com certeza, as maiores características dos discípulos de Jesus e, também, as mais discutidas. Foram, muitas vezes, entendidas de forma errada ou negadas, com força, não somente por não-cristãos, mas também por cristãos que querem tornar a mensagem de Jesus mais aceitável. Nietzsche considerava essa doutrina uma moral de escravos e a entendia como uma reação de rancor e ressentimento de derrotados que não querem enfrentar a situação. Seria a expressão da covardia. Claro está que ela pode ser invocada por pessoas que realmente são covardes e querem legitimar a covardia. No entanto, quando se tomam os textos no seu sentido original, não se trata de covardia. Cabe a cada um de nós e a cada comunidade examinar como essa doutrina se aplica nos conflitos da vida cotidiana.

 O lugar social do amor ao inimigo e da renúncia à violência

 No texto de Mateus (Mt 5,38-48), o contexto mostra que o texto convém no quadro das comunidades depois da guerra da Judéia (66-70). A derrota dos judeus foi completa. Estava tudo arrasado, as comunidades de Mateus, ligadas ao judaísmo, podiam sentir-se totalmente esmagadas. O que fazer, o que pensar ou sentir nessa oportunidade? O inimigo está triunfando, e desapareceu toda esperança de resistência. “Nessa situação de opressão, o texto de Mateus expressa a consciência da possibilidade de agüentar a situação com amor ao inimigo e renúncia à violência e, assim, estar em superioridade quanto aos adversários, os gentios. Olhar para eles torna-se compreensível no seguinte raciocínio: Há uma diferença entre olhar [para baixo] para aqueles aos quais, de qualquer modo, se é superior e entre o fato de a pessoa subjugada preservar a sua honra, sabendo-se interiormente superior ao vencedor. A idéia de um Deus que está acima do bem e do mal permite suspeitar que essa postura seja um ressentimento”.

Como textos que constituem esse contexto de um povo subjugado, citamos Mt 5,41 que se refere às prestações de serviço obrigatório impostas pelos soldados como serviço ao estado; também Mt 5,39 com os quatro exemplos de reações não-violentas, o que se explica diante do desastre do ano 70; também a comparação entre Mt 5,44 e 5,9.

Há duas particularidades no texto de Lucas (Lc 6,27-37). A primeira é a representação de uma sociedade urbana em que as relações de reciprocidade são comuns e respondem a uma ética tradicional. É preciso tratar os outros sem ódio se queremos ser tratados sem ódio. Essa regra de ouro, a regra da reciprocidade, já era comum entre os filósofos gregos. Não é novidade cristã.

A segunda particularidade é a grande insistência de Lucas no dinheiro. O princípio geral é : “Dá a todo o que te pede”. Perdoar é perdoar a dívida, não cobrar a dívida (Lc 6,37-38). Aqui o inimigo é o devedor. Amar o inimigo é perdoar a dívida.

Dessa maneira, tanto Mateus como Lucas aplicam as palavras de Jesus a casos particulares, dando-lhes sentidos bem específicos. Eles não inventaram as palavras de Jesus. Receberam-nas de uma tradição comum. Essa mesma tradição deriva de Jesus. Como saber o que havia na tradição comum e o que o próprio Jesus pensava?


sexta-feira, 1 de abril de 2011

Fotos campanha e encontros

Agradecimento - Campanha Pró-Haiti

 “Lembrem-se de ser generosos/as, saibam repartir os bens com os pobres, porque são essas oferendas que louvam a Deus” (Hebreus  13,16).
“Recomendo-vos que vos lembreis dos pobres e necessitados; o que também procurei sempre fazer com grande diligência”
(Gálatas  2,10).


 Queridas/os simpatizantes do carisma francisclariano e demais pessoas amigas e colaboradoras.
No mês de dezembro de 2010, iniciamos uma campanha de advento solidário para ajudar a socorrer o povo haitiano em suas necessidades emergenciais. E agora voltamos, com o coração agradecido, para dizer: muito obrigada por sua generosa colaboração, que será traduzida em leite, água potável, grãos para semear..., que irão contribuir para saciar a fome e possibilitar vida mais digna ao povo haitiano. Nossa campanha em Minas Gerais rendeu o total de R$ 20.419,00.

 Essa experiência nos lembra que na história humana há edificantes testemunhos de solidariedade e compaixão com pessoas fragilizadas e empobrecidas. Os autores bíblicos falam com veemência da dádiva aos necessitados da partilha do pão e dos bens com os pobres, os órfãos, as viúvas, os migrantes. Diz Isaias:

Se abrires a tua alma ao faminto e o fartares, tua luz brilhará nas trevas... O Senhor estará sempre a teu lado, te fartará até em lugares áridos e fortificará os teus ossos” (Is 58,7-11).

Jesus não consegue anunciar o Reino de Deus e sua justiça sem dar preferência aos pobres, aos despossuídos de tudo. Ele se apresenta como o profeta da misericórdia de Deus, fazendo-se um com os últimos. Às pessoas sensíveis, que reagem com compaixão diante dos necessitados, Jesus fala:

 “Benditos sois vós, porque tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, estava nu e me vestistes, era estrangeiro e me acolhestes, estava doente e me visitastes” (Mt 25,31-46).

Nesse relato, Jesus nem fala de justiça, mas das necessidades emergenciais: comida, água, roupa, teto... Fala de atitudes bem concretas: dar do que se tem, acolher, visitar, socorrer. Para Ele, o decisivo não é um amor teórico, mas a compaixão prática que socorre enquanto é tempo para recuperar a vida do povo fragilizado. É o amor compassivo que está na origem de toda a sua atuação no meio do povo. A compaixão não é para ele uma virtude entre as outras. Ele vive impregnado pela misericórdia: dói-lhe o sofrimento das pessoas. Nada o detém quando se trata de aproximar-se dos que sofrem e empenhar-se em favor deles.

Numa sociedade onde há multidões mergulhadas na fome e na miséria, como a do Haiti, abrem-se para nós duas alternativas: manter a frieza e a indiferença diante do sofrimento alheio ou despertar o coração, mexer as mãos e envolver-se para ajudar a mudar a sorte daquele país. Foi este o apelo de misericórdia que o povo haitiano nos fez no advento, ao qual muita gente respondeu com edificante empenho. Tanto por parte de irmãs e simpatizantes, quanto por parte de outras pessoas e comunidades, houve emocionantes provas de sensibilidade, solidariedade e partilha. Alguns depoimentos nos dão testemunho disso: “Fizemos muito mais do que uma campanha financeira para o Haiti”. “Conseguimos envolver centenas de pessoas através de grupos de economia solidária, grupos de reflexão, da rádio e do Informativo Paroquial”. “O conteúdo da carta nos permitiu dias de reflexão, de retiro, de contemplação de Jesus pobre e encarnado entre os mais pobres”. “Nesta campanha nos sentimos missionários/as, com as mãos na massa e os pés no chão”. “Para nossa confraternização de natal fizemos biscoitos de argila – para estar mais em comunhão com os haitianos. Foi uma experiência inesquecível...!”

Essas declarações nos deixam emocionadas e nos fazem entender melhor a postura de Jesus diante dos discípulos, quando estes lhe pediram para mandar para casa a multidão de gente faminta que o seguia. Ao invés de despedir o povo, Jesus comprometeu os apóstolos dizendo-lhes: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. E fez a multiplicação dos cinco pães e dos dois peixes. Nenhuma pessoa voltou para casa com fome e ainda sobraram doze cestos de alimento.

“Ver e ter compaixão é que faz a diferença
Um olhar compassivo muda tudo...
Aventurar-se a um olhar nascido nas entranhas da compaixão
é um caminho sem volta,
pois, quando nos deixamos tocar pela beleza humana machucada,
nunca mais seremos as mesmas pessoas.

Nunca mais poderemos chegar perto,
sem abrir o coração, a mente e as mãos
para acolher o invisível e,
com paixão, buscar juntas/os construir a esperança
compassiva e transformadora.

Ver e ter compaixão é deixar-se possuir
pela dor alheia, ser tomadas/os pelo "vírus" da solidariedade
e ir "contaminando" a humanidade, gota a gota,
acreditando que de "Nazaré" poderá sempre sair coisa boa.

Ver e ter compaixão
é ver a beleza da flor na casca dura da semente!!!
É sentir a ternura da irmandade dissolvendo a frieza do individualismo.
É reconhecer as "lepras" existentes e, num abraço
terno e comprometedor, curar mutuamente as feridas e
compartilhar a dignidade refeita”.
 (Irmã Carmelita Zanella).

A cada pessoa que se envolveu na campanha, que deu de seu tempo, seu pão, seu feijão e arroz, abdicou de um presente de natal... enfim, estendeu sua mão solidária em favor das crianças, das pessoas órfãs, mutiladas, famintas e desamparadas do Haiti, nossos sinceros agradecimentos. Que Deus os/as abençoe sempre! E que São Francisco e Santa Clara inspirem sempre a sua caminhada.
                                  
                                                                      
Irmã Carmela Panini
Irmã Alzira Munhoz
Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas
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