quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Vinhateiros Pós-Modernos


Enfoque ecológico

“Havia um proprietário que plantou uma vinha, pôs uma cerca em volta, fez nela um lagar para esmagar as uvas e construiu uma torre de guarda. Depois arrendou-a a vinhateiros...” (Mt. 21,33)

Herdarás o solo sagrado e a fertilidade será transmitida de geração em geração.
Protegerás teus campos contra a erosão e tuas florestas contra a destruição e impedirás que tuas fontes sequem e que teus campos sejam devastados pelo fogo, para que teus descendentes tenham abundância para sempre.
Se falhares, ou alguém depois de ti, na eterna vigilância de tuas vinhas abundantes, teus campos transformar-se-ão em solo estéril e pedregoso ou em grotões áridos, teus descendentes serão cada vez menos numerosos, viverão miserávelmente e serão eliminados da face da terra.
E as vinhas serão entregues a outros vinhateiros que saberão cuidar delas”.

E eis que a primavera vem ao nosso encontro! Cada tempo, cada estação... com sua originalidade, novida-de e surpresa, impelindo-nos a fazer a travessia para descobrir o sentido da existência escondido na apres-sada rotina do cotidiano.
Na sua etimologia, a palavra “primavera” dá a idéia de algo primeiro (primo vere), de início, de novidade.
Termina o inverno, o tempo do silêncio, do fechamento, da hibernação..., para explodir na estação verde, de vida, de cantos e cores. Nada melhor do que o anúncio luminoso da primavera para acordar nosso ser interior. Sempre haverá primavera quando optarmos pela leveza da vida, pela beleza do humano, pela esperança do crescimento, pela força da comunhão universal...
A primavera como estação restauradora por excelência, vem também recordar a missão e o sentido da presença do ser humano no contexto da Criação.

Segundo o relato bíblico, a primeira vocação do ser humano é a de ser jardineiro, pois recebeu do Criador a missão de cuidar e preservar a Sua “vinha”: lugar onde os homens, as mulheres e as crianças convivem em harmonia e compartilham os frutos abundantes das videiras. 
Existimos para acariciar a terra, para prepará-la, para fertilizá-la, para cuidá-la, para torná-la bela.
Mas que coisas horríveis fizemos com a vinha que herdamos!
Quando observamos vinhas outrora verdejantes e agora destruídas ou entulhadas de lixo, uma sensação de violação, de tragédia, quase de sacrilégio, se manifesta no nosso interior. E uma voz ecoa das profunde-zas da destruição: “Quê fizestes de minha vinha?”.

Por sua atitude de arrogância e de autosuficiência, o ser humano explorou exaustivamente a vinha herda-da e a destruiu, depredou, aniquilou, tomou posse dela... Assim, não foi respeitoso para com o Criador que a ele reservou a missão de cuidar da sua vinha e de compartilhar os seus frutos.
Conquistamos demais e cuidamos de menos. A ameaça provém da atividade humana altamente depreda-dora da vinha a nós confiada. Perdemos o sentido da corrente única da vida e de sua imensa diversidade.
Esquecemos a teia das inter-dependências e da comunhão de todos com a Fonte originária de tudo.
As conseqüências trágicas estão presentes por toda parte:
Buracos na camada de ozônio, mutações climáticas provocadas pelo efeito estufa, enchentes diluvianas, secas prolongadas e devastadoras, desertificação de imensas áreas, erosão de solos férteis, desapare-cimento de florestas devido ao desmatamento e às chuvas ácidas, rios assoreados e poluídos devido ao esgoto doméstico e aos detritos industriais, ar irrespirável pela presença de monóxido de carbono e outros gases venenosos, poluição sonora e visual das grandes cidades, crescimento e acúmulo de lixo urbano e industrial, esgotamento das fontes de energia não renováveis e dos lençóis freáticos de água, extinção continuada e crescente de espécies vegetais e animais, pondo em risco a biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas ...

A crise ecológica é a própria crise do ser humano. A “vi-nha” do Senhor está em ruínas, devido a maneira como a tratamos. Arrancamos dela pedaços para satisfazer nossos interesses individuais e não nos damos conta que estamos destruindo nosso próprio espaço vital.
“A terra não pode ser vendida para sempre porque a terra é minha e vocês são inquilinos e hóspedes meus” (Lev. 25,23). Desta afirmação podemos deduzir claramente que o

ser humano não é senhor da vinha e não pode fazer com ela e com os outros seres aquilo que quiser.
Isso significa que a realização mais profunda das pessoas e da natureza está na gratuidade, não no seu aspecto utilitário. A vinha aparece sempre como aliada do ser humano; ela nos ensina a viver em harmo-nia com a água, com a terra e com todos os seres uma relação de aliança, não de dominação arbitrária e exploradora.
Os profetas sempre insistiram neste ponto: quando o povo guarda a aliança com Deus e respeita a terra, esta fica fértil e generosa. Quando as pessoas rompem a aliança com Deus e se afastam d’Ele, a vinha fica estéril. (cf. Is. 5,1-7)
A vinha não é o lugar para a espoliação e a devastação, mas para o louvor e o serviço a Deus.
A vinha não foi dada em herança para o consumismo, mas para a vida; não é para que uns poucos se apropriem dela como donos, mas para todos abrigar e alimentar; ela não é campo para a guerra, mas para a convivência fraterna, a solidariedade, a justiça e a paz. Somente a vivência dessa relação do ser humano com a vinha possibilitará novas relações sociais e ambientais, o novo tempo de paz e justiça.

A primeira relação do ser humano com a Vinha, portanto, não é a da posse mas a da acolhida, por ela ser dada em herança. Todos os bens da Criação são recebidos por nós deste modo, ou seja, como dons.
A Vinha como realidade doada, convida à compreensão de sua origem, não para dominá-la e manipulá-la, mas para tornar o dom uma benção fecunda para todos. Ela é um dom de Deus que deve ser acolhido com reverência, respeito e louvor.
No fundo, trata-se de reconhecer que a Vinha “dada-a” é “doada-por”. Ela deve, por isso, ser recebida como fecundidade, não como algo que é objeto de conquista e domínio. Isso fundamenta não um fazer produtivo, mas um agir compartilhado: “trabalhar com” o Criador, cuidando da Vinha para que ela seja fecunda e alimente a alegria de todos.

A vinha é dada por Deus em função da vida. Por isso a Vinha é sagrada e é lugar de contemplação e encontro íntimo com o Criador; ela é o teatro da glória de Deus, isto é, da manifestação da presença divina.
Aqui já não cabe mais nenhuma atitude de dominação, de exploração, de depredação e de posse.
O cuidado e a beleza da vinha impõe-se ao desejo consumista desenfreado, pois somos jardineiros e não exploradores.
O que caracteriza essa nova atitude é o cuidado em lugar da dominação, o reconhecimento do valor de cada criatura e não sua mera utilização humana, o respeito por toda forma de vida e os direitos e a dignidade da natureza, não sua exploração.
Assim, o exercício do cuidado, por parte do ser humano, deve significar respeito à ação criativa divina, contribuir com o crescimento e a evolução, garantir a sua continuidade, cuidar e fazer da vinha uma fonte de bênçãos, ou seja, de comunhão com ela e, a partir dela, harmonia interior, comunhão com as outras pessoas e estreitamento de relações com o próprio Criador.

Quem sabe, um dia, os seres humanos olharão novamente para a vinha do Senhor com olhos encantados e sofrerão ao vê-la violentada pelos vândalos que a estupram em nome do crescimento econômico.

Textos bíblicos:  Mt. 21,33-43   Is. 5,1-7

Na oração: - entoar um hino de louvor e gratidão a Deus pelos benefícios que recebe a cada dia da Criação;
                       - ter sempre presente que fomos criados para viver uma relação de amor e de solidariedade com
                         tudo e com todos;
                       - assumir gestos de cuidado para com o meio ambiente: reduzir, reciclar, reutilizar, replantar...





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