sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Francisco e Clara - mergulhados na realidade de sua cidade

“Δ ƨɛмɛитɛ ғσι ℓαиçα∂α. Ĵá иαƨcɛʋ.
Иãσ ∂á мαιƨ ραяα яɛcσℓнɛя. Ѵαι ρяσ∂ʋʓιя ғяʋтσƨ!
É ʋмα αтιтʋ∂ɛ ρяσғéтιcα иʋм мʋи∂σ тãσ иɛcɛƨƨιтα∂σ!"
(Alcires Ferrari – Blumenau/SC)

Para beber da fonte francisclariana lembramos que ela brotou em um contexto de Idade Média européia, um período de transição entre o feudalismo e a ascensão da burguesia, ou seja, o capitalismo mercantil. É, portanto, uma conjuntura em movimento, com mudanças profundas nas formas de estabelecer relações, de organizar a produção e de posicionar-se nas camadas sociais. A igreja, ainda “senhora feudal”, uma vez que era proprietária de diversos feudos, está também sofrendo as consequências de tal movimento.


A reflexão se inspirou em algumas imagens:

A primeira delas, Clara e Francisco contemplando o presépio, o Mistério da Encarnação do Verbo. Nela descobrem que o “menino envolvido em faixas e deitado em uma manjedoura” é o grande sinal da presença e fidelidade de Deus para com a humanidade. A partir desta experiência, também eles mergulham profundamente na realidade de sua cidade, e a descobrem diferente do que até então haviam visto. Identificam fissuras e assimetrias. Encontram-se com aqueles que habitam os “porões” de Assis. Diferentemente da forma de vida religiosa que havia até então, baseada na busca da santidade a partir da “fuga do mundo”, o que Francisco e Clara fazem é um movimento de aproximação do “mundo”, compreendendo-o mais profundamente e assumindo nele posicionamentos, tanto eclesiais, quanto políticos e econômicos. Viveram uma fé baseada na solidariedade e na mudança de lugar social. Recriaram relações que, para seu tempo, foram chocantes. Encontrar-se diariamente com leprosos já havia se tornado insuportável para os santos de Assis. A atitude de abandonar a casa dos pais, pela porta da frente ou, quando não foi possível, pela porta dos fundos, pôs em evidência a fragilidade do sistema social e eclesial daquele período: desigualdades, hierarquias e absolutismos.



Francisco e Clara não rompem com os representantes do sistema, mas transformam o próprio sistema, uma vez que suas opções trazem uma nova ordem de coisas. No encontro com o Senhor Pobre, Francisco e Clara “descem” e tais descidas resultam em encontros com os empobrecidos de seu tempo. Entre eles constroem uma vida de serviço. Francisco, ao encontrar-se com o leproso, vive uma radical experiência de solidariedade: o que antes parecia amargo, agora se transforma em doçura de alma e de corpo. É uma experiência que envolve o ser inteiro. O apelo que vem dos excluídos o leva para o meio dos excluídos, para fora dos muros da cidade de Assis, onde se encontravam os “sem lugar”. Inauguram, desta maneira, uma forma de estar no mundo.

Viver pobre em comunidade é o coração deste ideal francisclariano, onde a estrada se torna convento e a participação coletiva suplanta a centralidade da norma. A maneira de estar no mundo é co-existindo, co-estando, compartilhando – radicalmente diferente da razão técnico-científica que instrumentaliza as pessoas e a natureza. Ideal perpassado de potencial profético!

Neste caminho, Francisco deixa claro que “Viver segundo a forma do Santo Evangelho” é possível a todas as pessoas. Há espaço para Clara e todas as suas irmãs. Há espaço para Praxedes, eremita enclausurada acolhida por Francisco em obediência, sem ter que abandonar sua opção, e também para Jacoba, amiga íntima de Francisco, que rompe com a norma que proibia a entrada de mulheres no convento. Para Francisco e Clara, há lugar para todos aqueles e aquelas que desejam estar a serviço dos mais pobres e excluídos.
Para concluir, vamos recordar o sagrado gesto de Jesus naquela Ceia. Lá Ele deixa o exemplo e o imperativo do serviço uns aos outros. Mas queremos ressaltar, conforme nos narra João, que seis dias antes daquele acontecido, em outra ceia sagrada, uma mulher entra onde está Jesus, quebra um frasco de perfume em seus pés, lava-os com lágrimas e depois os enxuga com os próprios cabelos. Gesto que foi repetido por Jesus na última Ceia. Aqui nos encontramos com um Jesus discípulo dos marginalizados, discípulo da mulher. Também Francisco e Clara descobriram este segredo, de ser discípulo/a dos pobres, aprender com eles, perceber os escondidos gestos de serviço, entrega e solidariedade.

Fonte: Boletim "Pelos Caminhos". ICF. 2011 n.175

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