Jung Mo Sung - Diretor da Faculdade de
Humanidades e Direito da Univ. Metodista de S. Paulo.
Fonte: Adital
No final
do artigo
anterior, fiz duas afirmações interligadas que quero retomar aqui:
a) a nossa luta por uma nova sociedade não deve ter como objetivo último um
novo tipo de sistema econômico-político – por ex, sistema socialista de
planejamento centralizado pelo Estado –, pois a dignidade e direitos humanos
são anteriores a qualquer sistema social; b) não há possibilidade de realização
dos direitos humanos sem sistemas e instituições sociais.
Com a
derrocada do bloco socialista na década de 1990 e às críticas à razão moderna,
hoje são poucos, entre os que lutam por um "outro mundo possível”, aqueles
que defendem o sistema socialista dominante no século XX, que quase
absolutizava o Estado dirigido pelo Partido Comunista. Como reação a esse
modelo, muitos tem ido à direção oposta e proposto uma nova sociedade que
parece não ter instituições. Em nome da defesa dos direitos humanos (e alguns
agregando os direitos da natureza), que são anteriores a qualquer sistema
social, imaginam uma sociedade (quase) sem nenhum mecanismo institucional que
possam reduzir ou reprimir esses direitos. Por ex, uma sociedade sem mercado
–que sempre exclui quem não é consumidor–, ou então um Estado sem instituições
ambíguas –como democracia que implica em conflitos e disputas pelo poder,
portanto em alianças e negociações– ou mecanismos de repressão legal.
Seria
ideal que pudéssemos construir uma sociedade em que vícios humanos fossem
extintos e prevalecesse harmonia entre indivíduos, grupos sociais e nações. O
problema é que a realização concreta dos direitos humanos, como comer e morar
dignamente ou liberdade de expressar suas ideias, pressupõe a produção de bens
materiais e simbólicos em quantidade suficiente para toda a população. E essa
produção exige sistemas de trabalhos (que inclui meios de produção, matéria
prima, energia, tecnologia, mão de obra...), que pressupõe instituições e
regras, que são sempre imposições sobre a vontade individual.
A
dignidade fundamental de todas as pessoas, independente do seu lugar em
qualquer e todo tipo de sistema, só pode ser garantida e seus direitos
realizados através de mecanismos sociais e institucionais. Ao mesmo tempo, a
lógica de toda instituição e de sistemas sociais é a de reduzir pessoas a um
elemento de seu próprio funcionamento. Isto é, há uma contradição insuperável
entre a afirmação da dignidade humana como anterior a todo sistema e a lógica
de funcionamento dos sistemas. Ao mesmo tempo, não podemos realizar essa
dignidade e direitos que dele decorrem sem esses mecanismos sociais e
institucionais. Esse é o caráter dialético insuperável da vida humana.
Há
pessoas que, de forma idealista (no sentido filosófico), anunciam a
possibilidade de fim dessa contradição. Mas, quando pedidos para descrever como
seria esse novo mundo e novos seres humanos, não podem nada mais que responder
apenas com linguagens simbólicas (místicas ou poéticas) que não permitem
deduzir nenhum caminho estratégico concreto.
Imaginações
simbólicas são fundamentais para vislumbrar novidades na história, mas, se
ficarmos somente nesse nível, não logramos pensar e praticas ações políticas e
sociais concretas. Só ficamos em "apelos morais e espirituais”.
Há outros
que priorizam o polo da instituição e fazem do Estado, Partido ou líder que
encarnaria o processo revolucionário, o critério último. Com isso, não admitem
nenhuma crítica a eles, mesmo em nome da vida dos mais pobres. Toda e qualquer
crítica é vista como um tipo de traição.
Penso que
o caminho mais viável (ou único) para retomar o espírito que moveu a luta pelo
socialismo nos século XIX e XX é o de assumir a defesa da dignidade e dos
direitos humanos de todas as pessoas como critério último e buscar construir
mecanismos, instituições e sistemas sociais que possam garantir a concretização
desses direitos. Socialismo entendido, não mais como estatização, mas como
sistema social que coloca no seu centro os direitos sociais de todos os
indivíduos. Por isso, um sistema que se reconhece relativo e subordinando à
realização dos direitos humanos, um sistema que está em permanente processo de
revisão, crítica e reformulação.