I. INTRODUÇÃO GERAL
1. Nosso povo sofrido se reúne para celebrar a fé no
Deus que vem. É um povo que se deixa guiar pela luz
do Senhor, o único Deus verdadeiro, a fim de aprender
com ele a fazer história para construir sociedade
nova: "Vamos subir ao monte do Senhor e à casa do
Deus de Jacó. Ele nos ensinará seus caminhos... para
que possamos transformar as espadas em enxadas e as
lanças em foices" (1ª leitura, Is 2,1-5).
2. Nosso povo sofrido se reúne porque acredita que
celebrar em comunidade é estar preparado para a vinda
do Filho do Homem; porque acredita que em sua
caminhada já foram lançadas sementes de eternidade
(evangelho, Mt 24,37-44).
3. Nosso povo sofrido se reúne porque já chegou a
hora de acordar. E é capaz de trazer para a celebração
sinais de seu compromisso com o Deus que já está
presente no meio de nós, mas que chega continuamente,
transformando o tempo presente em momentos de
graça e salvação (2ª leitura, Rm 13,11-14a).
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
1ª leitura (Is 2,1-5): "Virá o dia em que todos..."
4. Isaías viveu tempos difíceis em que o povo, esgotado
pelo peso dos tributos, era enganado pelas lideranças
político-religiosas. Elas buscavam apoio em
alianças que os profetas, porta-vozes das esperanças
populares, contestavam fortemente, pois se fundavam
no medo, insegurança e submissão do fraco ao forte.
5. O profeta tem uma visão acerca de Judá e Jerusalém
(v. 1). Trata-se da intuição profunda de um homem
de Deus que procura estar atento ao clamor do
seu povo. A visão fala de tempos futuros que, para o
bom entendedor, não são projetados para o fim da
história ou além dela. Ao contrário, pretende suscitar,
desde já, a virada histórica que surge a partir da tomada
de consciência dos empobrecidos que não perderam
a esperança nem a disposição em lutar. A visão se
refere ao monte da casa do Senhor, ou seja, o monte
Sião, sobre o qual foi construído o Templo. Ele estará
firmemente estabelecido no ponto mais alto das montanhas
e dominará as colinas (v. 2). Para os povos
antigos, os montes eram lugar de encontro com a divindade.
Afirmando que o monte da casa do Senhor
estará acima de todas as montanhas, Isaías intuiu um
tempo em que o mundo inteiro irá prestar culto ao
único Deus verdadeiro, o Deus juiz dos povos e árbitro
de muitas nações (v. 4a).
6. Isaías imagina o monte da casa de Deus como
farol que irradia a instrução (lei) e a palavra do Senhor
(v. 3c) e como ponto de convergência de todos
os povos, numa grande peregrinação, semelhante às
romarias do povo de Deus em direção ao Templo:
"Vamos subir ao monte do Senhor e à casa do Deus de
Jacó" (v. 3a). Por quê? Para conhecer, a partir da experiência
de Israel, o modo diferente de fazer história
para construir sociedade nova: "Ele nos ensinará seus
caminhos, para que andemos nas suas estradas" (v.
3b). Um povo, o povo de Deus, puxa a fila da romaria:
"Casa de Jacó, deixemo-nos guiar pela luz do Senhor"
(v. 5).
7. Qual será o resultado disso? A transformação de
toda a sociedade: não mais a torre de Babel (cf. Gn
11.1-9), símbolo da desagregação social, e sim a criação
do mundo novo, sem fronteiras, porque a norma
última será a justiça que vem de Deus e transforma as
relações entre as pessoas e os povos. Fruto maduro
dessa união universal será a paz que decorre da justiça:
"Eles transformarão suas espadas em enxadas e
suas lanças em foices. Povo algum levantará a espada
contra outro povo, nem mesmo farão exercícios de
guerra" (v. 4b). Justiça, paz, desarmamento, bem-estar
para todos: isso é o que o profeta intui a partir do reconhecimento
do único verdadeiro Deus que caminha
no meio do seu povo. Em síntese, um pentecostes em
pleno coração do Antigo Testamento. Quando isso irá
acontecer? Quando um povo consciente e organizado
puxar a fila, deixando-se guiar pela luz do Senhor.
Evangelho (Mt 24,37-44): "Fiquem vigiando..."
8. Os capítulos 24 e 25 de Mateus formam o que se
costumou chamar de "discurso escatológico". Dois
temas importantes nascem desses capítulos: 1. O fim
do Templo e a destruição de Jerusalém. Esses dois
acontecimentos marcam, para os cristãos, o início de
uma nova época, a humanidade nova surgida da prática
de Jesus e de seus seguidores. De fato, em 24,1
Jesus "sai do Templo", e isso não é simples constatação
de um fato, mas leitura teológica: abandona-se um
tipo de sociedade que não tem mais nada a oferecer,
para abraçar o novo que nasce do compromisso "vigilante"
na nova sociedade. 2. O desconhecimento em
rolação à vinda do Filho do Homem e a conseqüente
vigilância enquanto gesto ativo que compromete as
pessoas na transformação da realidade. O evangelho
deste domingo refere-se ao segundo tema.
a. Dois modos de fazer as coisas (vv. 37-42)
9. Ninguém sabe quando será o fim do mundo. Nem
podemos pretender que apareçam sinais espetaculares
anunciando que a hora está para chegar, pois a vinda
do Filho do Homem será como nos dias de Noé (v.
37; cf. Gn 6-8). Naquela ocasião, as pessoas levavam
a vidinha de sempre: "Comiam e bebiam, casavam-se
e davam-se em casamento" (v. 38). Nada de extraor
dinário para anunciar a iminência do dilúvio, a não ser
a presença de Noé "que era pessoa Justa entre seus
conterrâneos, andava com Deus, e por isso obteve o
favor de Javé" (cf. Gn 6,8-9).
10. O evangelho não emite um julgamento a respeito
da conduta das pessoas no tempo de Noé. O livro do
Gênesis, ao contrário, salienta o aumento da violência
até chegar a uma situação insuportável. Mateus se
limita a frisar que os contemporâneos de Noé "nada
perceberam até que veio o dilúvio e arrasou a todos"
(v. 39a). Contudo, não devemos desprezar a insensibilidade
das pessoas daquele tempo e de hoje também.
No fundo, a vinda do Filho do Homem é uma questão
de sensibilidade em relação ao momento presente,
semelhante à de Noé, qualificado como pessoa justa.
É ai que se joga o destino da sociedade: "Assim acontecerá
também na vinda do Filho do Homem. Dois
homens estarão trabalhando no campo: um será levado
e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo
no moinho: uma será levada e a outra deixada"
(vv. 39a-41). Por que essa diferença de sortes? Qual
terá sido o critério de seleção, se aparentemente os
dois homens e as duas mulheres estavam fazendo exatamente
as mesmas coisas? A resposta está no modo
como as pessoas agem. Há quem vive o presente preparando
o futuro, e há quem não aprendeu da história
(os tempos deNoé) e não sabe como viver o presente,
sem futuro...
b. A solução é vigiar (vv.42-44)
11. O que é vigiar? Para alguns, pode ser a atitude
policiesca por se considerarem donos da verdade.
Parece que Mateus não pensava assim. No episódio do
Getsêmani (cf. 26,38.40-41), Jesus pede aos discípulos
que vigiem com ele. Vigilância, nesse caso, é solidarizar-
se com Jesus, que está para ser morto por uma
sociedade baseada na mentira e na injustiça. Isso pode
iluminar o trecho em questão. Jesus não está à procura
de inquisidores, nem declarou aberta a temporada de
caça às bruxas; ele quer pessoas que, apesar de não
saberem quando o Senhor virá, solidarizam-se com os
que clamam por sua vinda, projetando luzes novas
sobre a escuridão que invade nossa sociedade. Os que
assim agem, colhem desde já as sementes de eternidade
que se encontram no momento presente.
2ª leitura (Rm 13,11-14a): Acorda povo!
12. A partir do capítulo 12 da carta aos Romanos,
Paulo inicia longa exortação, procurando mostrar àquela
comunidade as conseqüências do ser cristão. Os
versículos escolhidos para este domingo fazem parte
desse tema. Os que, pela fé e pelo Batismo aderiram a
Cristo enquanto proposta e início de um mundo novo,
descobrem no tempo presente sementes de eternidade.
Por isso são capazes de transformar a vida do dia-adia
em tempo de graça (kairós, em grego) e de salvação.
13. O texto de hoje inicia com uma afirmação: "Vocês
sabem em que tempo (kairós) estamos vivendo: já é
hora de acordar, pois nossa salvação está mais perto
do que quando abraçamos a fé" (v. 1l). Os cristãos
lêem o presente à luz do que Jesus fez e continua fazendo
"até que Deus seja tudo em todos". Paulo fala
de um futuro próximo, que não é necessariamente a
data do fim dos tempos. Ao contrário, fala de um futuro
enquanto oportunidade oferecida a todos os que
sonham e lutam com aquele tipo de sociedade pela
qual Jesus deu a vida. Nesse sentido, os cristãos vivem
o presente abertos para o futuro, semeando aqui e
agora as sementes de um tempo novo. É verdade que,
à medida que caminham, as pessoas se aproximam
sempre mais do fim. Mas o que Paulo prevê, à semelhança
de Isaías (cf. 1ª leitura), é que já está raiando a
madrugada da vida plena para todos, madrugada que
tem as cores e harmonias da manhã da ressurreição de
Cristo.
14. Os versículos em questão falam de noite, trevas,
sono, madrugada, acordar, falam também de ações de
injustiça (obras das trevas) e citam algumas, e de ações
de justiça (vida decente), de roupas novas e de
armas da luz. São imagens que os primeiros cristãos
usavam para falar do Batismo e para mostrar o novo
que surge da militância cristã, que semeia no presente
aqueles frutos que sonhamos colher um dia.
15. É hora de acordar! Acorda, povo! É tempo de
novas oportunidades para a fé. A alvorada de um novo
tempo já está raiando em nossas comunidades.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
16. O primeiro domingo do Advento propõe o tema da vigilância. Vigiar é solidarizar-se com
Jesus, assumindo a causa dos que são continuamente condenados às mais variadas formas de
morte em nossa sociedade. Se Isaías sugere que as comunidades cristãs puxem a fila em direção
à justiça que gera a paz e o bem-estar de todos, Paulo pede que as mesmas comunidades
apresentem símbolos de seu compromisso com o projeto de Deus. Este não se realiza de modo
mágico ou extraordinário, e sim mediante a ação solidária dos que transformam o momento
presente em tempo de graça, salvação e vida para todos. (Sugestão: trabalhar com símbolos
negativos: obras das trevas, para mostrar que o povo precisa acordar, e com símbolos positivos:
sinais de vigilância, armas da luz, desarmamento etc., que traduzam a vigilância do povo.)
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