quinta-feira, 29 de março de 2012

O QUE SIGNIFICA CELEBRAR A PÁSCOA HOJE?

Estamos em pleno século XXI. Dia a dia, nos encontramos cada vez mais submersos no universo da tecnologia, do virtual, da autonomia. Ao mesmo tempo, ao nosso lado, pessoas ainda vivem como se tivesse parado no tempo, enfrentando adversidades de toda a ordem. Esse contraste paradoxal é apenas um elemento de nossa complexa constituição social e cultural atual. No meio de tanto deslumbramento com a técnica e com a ciência, qual o espaço para a reflexão e para a vivência da fé? Qual é a importância dos valores cristãos, principalmente da solidariedade e do amor ao próximo em uma sociedade marcada pelo individualismo e pela autonomia? Na correria de nossos dias, encontrar um tempo para refletir e tentar compreender nosso mundo é mais do que importante - é quase uma questão de sobrevivência.

Nesse sentido, o que significa celebrar a Páscoa hoje? De que maneira podemos relacionar o momento pascal com a crise financeira internacional, com a crise ambiental e com a crise múltipla de valores em que nos encontramos? Há sentido em celebrar a Páscoa em uma sociedade cada vez mais marcada pela violência? Qual a contribuição da reflexão da Páscoa para a construção de possibilidades de vida digna do ser humano? A morte e a ressurreição de Jesus Cristo têm algum significado para nosso contexto sociocultural?

Para a teóloga Maria Cristina Gianni, festejar a Páscoa tem tudo a ver com o nosso contexto. “Celebramos na Páscoa a ressurreição de um crucificado: Jesus de Nazaré. A páscoa é uma celebração da esperança. Não existe realidade de injustiça e de sofrimento que não possa ser superada pela ressurreição”. Para Cristina, “nosso compromisso como cristãos é viver essa ressurreição para sermos instrumentos, possibilitando que esse renascimento também aconteça onde quer que estejamos: na universidade, no meio do povo, trabalhando pela ecologia. Isso tudo tem sentido, porque quem ressuscitou foi um crucificado”. Cristina destaca que temos hoje, no mundo, “uma natureza que está gritando também para ser libertada, que está sofrendo, por nossa causa, por nossas opções equivocadas. Mas temos como reverter isso. Jesus nos mostra que amando até o fim é possível mudar a realidade de nossa vida, de nossa sociedade”.

Já para o frei Alberto Beckhäuser (OFM), a dificuldade, e até mesmo “incapacidade da sociedade moderna celebrar a Páscoa”, está arraigada na necessidade de acreditar em Jesus Cristo. Ele explica: “Sem fé em Jesus, não podemos celebrar a Páscoa, pois a Igreja celebra a morte e a ressurreição de Cristo e a morte e ressurreição dos que crêem e seguem a Cristo”. Na sociedade moderna e pós-moderna, caracterizada pela razão, eficiência, e “onde o único valor parece ser o gozo momentâneo, a Páscoa virou feriadão, virou faturamento na área financeira do consumo de chocolate, de pescado, ou exploração turística do vago sentimento do religioso, do sagrado”. Nesta mentalidade consumista e hedonista, “é praticamente impossível celebrar a Páscoa, pois carece do seu verdadeiro sentido”.

“Páscoa é um evento essencialmente cristão, em uma referência a Jesus de Nazaré, um ser humano histórico que é o verbo de Deus encarnado, pelo qual Deus se fez gente, palmilhou nossos caminhos e viveu e morreu pela causa do Reino.” Esta é a definição que a teóloga e doutora em Teologia Cleusa Andreatta, dá para essa época do ano. Nessa perspectiva, a Páscoa remete para a dimensão de solidariedade a partir da figura de Jesus. “Nesse tempo de Páscoa, celebramos a ressurreição de alguém que passou a vida inteira fazendo o bem, como está dito nos Atos dos Apóstolos. Parece simples, mas, quando olhamos para a trajetória dele, vemos que é toda pautada pela solidariedade. É uma vida entregue de muitas formas em ações concretas pelas pessoas de seu tempo e, além disso, ensinando para todas as gerações posteriores um jeito de ser humano, um jeito de ser gente ao lado de outras pessoas”. “Quando olhamos para a prática de Jesus, vemos aquele sujeito que olha os outros seres humanos e age em favor deles, gasta seu tempo, sua energia, e faz dessa ação em favor dos outros um projeto para a vida inteira.

Nesse sentido, a Páscoa tem tudo a ver com o tema da solidariedade, mas uma solidariedade que não é apenas de fazer pequenas ações ou alguns gestos. É a solidariedade feita estilo de vida, internalizada como projeto pessoal. É o ato de dar a vida pelo outro por amor. Quem celebra a Páscoa se dispõe a andar nesse caminho, a assumir como estilo próprio algo da prática de Jesus”. “Às vezes nos espiritualizamos demais e perdemos essa vinculação com o projeto do Reino como ele é entendido”.

Celebrar a Páscoa em nossos dias significa recuperar os laços da humanidade e da solidariedade que sempre precisamos construir entre nós. Isso se vincula permanentemente com a busca que a sociedade faz de compreender a vida e a verdade, pontua o historiador Solon Viola. Ele sustenta que a solidariedade não é oposta à autonomia do sujeito: “Somos solidários na medida em que decidimos e agimos em direção ao outro, e em reconhecimento desse outro. Nessa dimensão nos humanizamos. Somos seres sociais que precisam radicalmente uns dos outros. Parece-me que, quando o individualismo se opõe à solidariedade, comete-se um equívoco brutal em relação aos seres humanos”.

Por: Graziela Wolfart, Márcia Junges e Patricia Fachin - IHU

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